O menino de Umbuzeiro que sonhou grande 160 anos de Epitácio Pessoa
- ALMEP Paraíba'
- 23 de mai.
- 4 min de leitura

“A infância não termina quando crescemos. Ela só se acomoda num canto da memória e espera ser lembrada.”
Era 23 de maio de 1865. E lá estava ele, abrindo os olhos pela primeira vez no calor áspero de Umbuzeiro, pequeno povoado da velha Parahyba do Norte. Um menino franzino, de olhos vivos — e destino nenhum. Nem sobrenome de poder, nem terras, nem dote. Mas talvez um dom raro: o de não se render.
Chamaram-no de Epitácio. Nome forte, difícil de esquecer. E mesmo que a vida tenha tentado esquecê-lo cedo — levando-lhe pai e mãe ainda criança, vítimas da varíola — ele ficou. Firmou pé. Sozinho no mundo, mas não perdido.
Foi um tio que o acolheu: Henrique Pereira de Lucena — figura de peso no Império, presidente de província, homem de toga, tribuna e títulos. Futuro Barão de Lucena. Mas antes de tudo, foi ponte. E o menino atravessou.
Em 1877, com apenas doze anos, Epitácio chegou ao Recife. Trocou o sertão pelas salas frias do Liceu Pernambucano, onde o saber vinha duro e os castigos vinham fáceis. Mas ele tinha sede. E não era de água — era de futuro. Bebia dos livros como quem suga o mundo.
Em 1882, aos dezessete, passou pelos portões da Faculdade de Direito do Recife. Não era só um templo do saber — era palco da elite, dos futuros ministros, senadores, presidentes. Ali, onde tantos buscavam aplauso, ele buscava justiça. Dava aula pra se sustentar. Estudava à luz de lamparina. Decorava artigos como se fossem preces. E formou-se. Em 1886, com apenas 21 anos, já era bacharel. Mas mais que isso: era uma promessa que a história começava a notar.
Porque, desde cedo, Epitácio não teve tempo de brincar com o futuro.
Teve que escrevê-lo.
E não escreveu pouco. Aos vinte e poucos, já estava entre os que redigiram a primeira Constituição da República. Mais tarde, como Ministro da Justiça, ofereceu ao Brasil o Código Civil. Dizia pouco. Escrevia muito. E escrevia bem. Com precisão, sem vaidade. A caneta era sua espada. De alma nordestina e vocação nacional, foi do chão rachado da seca ao mármore das cortes internacionais. Promotor no interior, ministro do Supremo, senador. E, em 1919, quando o mundo ainda lambia as feridas da Grande Guerra, lá estava ele em Versalhes, representando o Brasil — de paletó alinhado e peito paraibano. Lá fora, o diplomata. Aqui dentro, o candidato.
E foi eleito sem pisar no Brasil. Sem campanha, sem comício. Mas com o voto da confiança das elites — e da sorte. Ganhou. E voltou para assumir a presidência com a mesma simplicidade de quem, um dia, chegou ao Recife com a roupa do corpo e uma esperança na alma.
No governo, não esqueceu o chão que o formou. Cavou açudes, ergueu poços, projetou universidades, incentivou ferrovias. Fundou a Universidade do Rio de Janeiro, viu nascer a primeira rádio do país, promoveu a Exposição do Centenário da Independência — e tentou unir um Brasil ainda esparramado entre fazendas, fomes e febres.
Mas o poder nunca vem sozinho. Vieram as greves, as revoltas, os 18 do Forte. Vieram as cartas falsas, os militares insatisfeitos, os estilhaços da República Velha. Epitácio soube ser duro. Mas foi justo. Colocou civis no comando da guerra. Bancou decisões. Pagou o preço. Porque acreditava no que fazia.
Ao fim do mandato, partiu para Haia. Lá, vestiu novamente a toga e passou a julgar os conflitos do mundo. Mas o Brasil o chamaria de volta — não com cargos, mas com tragédias. Em 1930, seu sobrinho e afilhado político, João Pessoa, foi assassinado. E a República que ele ajudou a erguer ruiu diante de seus olhos, como quem não aguenta mais manter-se de pé.
Estava doente. Estava velho. Mas estava lúcido. Assistiu à Revolução de 1930 como quem vê o filho crescer e tomar outro rumo. Sem interferir. Sem se apegar.
E então, discretamente, recolheu-se.
Faleceu em 1942, no interior fluminense. Longe dos palácios, mas perto da história. Sem alarde. Sem cerimônia. Como convém aos que já disseram tudo.
Hoje, 160 anos depois, não celebramos um político.
Celebramos um símbolo.
Um órfão que virou estadista. Um menino sem sobrenome de peso que se assinou nas leis do país. Um homem que soube usar o silêncio como voz — e a lei como espelho de sua coragem.
Na Paraíba, seu nome batiza açudes, avenidas, medalhas e escolas.
Mas é no íntimo de quem sonha com justiça, igualdade e futuro que ele ainda mora.
Porque há nomes que o tempo apaga.
E há os que viram chão, ponte, água... e palavra.
Epitácio Lindolfo da Silva Pessoa.
O menino de Umbuzeiro que sonhou grande — e ensinou o Brasil a sonhar também.
A Diretoria da Academia de Letras dos Militares Estaduais da Paraíba (ALMEP) rende homenagem à memória de Epitácio Lindolfo da Silva Pessoa, no transcurso dos 160 anos de seu nascimento, celebrados neste 23 de maio de 2025. Filho ilustre de Umbuzeiro, jurista eminente, estadista de princípios e orgulho da Paraíba, Epitácio inscreveu seu nome na história do Brasil com dignidade, coragem e inteligência. Sua trajetória inspira gerações a acreditarem na força transformadora do saber, da justiça e do serviço público leal ao povo. Foto da capa: Epitácio Lindolfo da Silva Pessoa (1865–1942), presidente do Brasil entre 1919 e 1922. Retrato oficial, circa 1919. Acervo da Galeria dos Presidentes da República. Fotografia de Musso / Governo do Brasil.
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